‘Eu sou um filho comprado’

Adotado Patrick Noordoven estava procurando por seus pais biológicos no Brasil e fez uma descoberta desconcertante

‘Eu sou um filho comprado’

Esther Wemmers
Há muito tempo que ele poderia ter terminado sua carreira de estudos, ter um emprego ou talvez ter uma própria família. Mas em vez disso o adotado ilegal Patrick Noordoven (34), fica agarrando-se no Brazil Baby Affair. Ainda consegue acreditar dificilmente os fatos chocantes que descobriu enquanto a sua origem.

A partir do ano 2001 o brasileiro holandês viajou por grande parte da América do Sul em procura de seus pais biológicos. Dando assim uma decepção a seus pais adotivos que teriam preferido vê-lo fazer carreira. Mas ele somente fica um pouco mais quieto quando a pedra embaixo de um major caso fraudulento de adoção dos anos oitenta sai à luz. Esta história esteve em muitos jornais faz 30 anos. Resulta que casais holandeses sem filhos tentam evitar longas listas de espera para uma adoção, fingindo sua gravidez com uma almofada debaixo do vestido durante o vôo ao Brasil. Ali recebem um bebê através de pessoas intermediárias que ajudam aos casais registrar os bebês como seu bebê biológico por meio de documentos falsificados. Porque naquela época há muitas imagens na televisão de bebês aos gritos em camas ferrugentas nos orfanatos, ninguém vê mal neste tipo de prática.

Mas por debaixo dos panos se revela ser um grande negócio. Quadrilhas ganham uns 10.000 à 30.000 dólares com um bebê, depende da cor da pele. Durante os anos oitenta o Brasil exporta segundo estimativas 400 crianças por mês.

Os bebês de então agora são adultos. Como muitas pessoas adotadas de maneira legal eles querem saber sua origem. Mas isso não é fácil quando faltam documentos oficiais e os pais adotivos nem podem contar onde e quando “seu” filho nasceu. Num programa como “Spoorloos” (programa de televisão onde são buscados familiares desaparecidos) estes brasileiros adotados nem podem solicitar ajuda – o caso é complicado demais.

Patrick começou sua própria procura em 2001. Graças a suas investigações incansáveis se revelaram muitos segredos. Ele fica abalado: “Se mostra que intermediários e funcionários neerlandeses da embaixada e do consulado sabiam na década de 1980 de que maneira seus compatriotas foram auxiliados para conseguir um bebê brasileiro, mas ninguém foi jamais penalizado. Também pela colaboração deles, fui privado de meu direito humano à identidade. Na Holanda, privar alguém de sua identidade implica uma pena de prisão de até cinco anos.”

Patrick vai crescendo numa família respeitável em Gouda (cidade na Holanda). Seus pais não podem ter filhos e adotam dois meninos. “Cheguei dia 8 de março de 1980 na Holanda, e meu irmão adotado – legitimamente – alguns anos depois. Falamos pouco sobra nossa origem. Alguns armários estavam fechados e nunca pude dar uma olhada a meus documentos reclusos num cofre.”

Aos vinte anos a curiosidade sobre sua origem acende-se. “Estava estudando em Maastricht (cidade na Holanda) e conheci uma menina. Ela escutava muitas vezes música latina o que adorei. Tudo ajustava-se: Queria ir procurar minhas raízes.”

Mas quando traz isto à tona para seus pais, ele obteve um duro despertar para a realidade. Deviam contar-lhe alguma coisa. “Durante o jantar contam-lhe que sua adoção não tinha sido legítima. Ainda que não tivesse entendido de que maneira exatamente. Só em 2011 fui informado pela minha advogada brasileira que meus pais me tinham comprado a preço de um terreno com uma casa por cima mais uma doação para um orfanato”.

A adoção ilegal é um assunto difícil. Parcialmente por causa do “avô”. Porque ele tem desempenhado um papel na obtenção de seu “neto” para a Holanda ilegalmente como funcionário da autoridade de migração do Ministério dos Assuntos Sociais. “Ele por seu lado teve um amigo que trabalhava no consulado de São Paulo. Este Hans, entretanto já falecido, e sua esposa abordaram seus contatos e arranjaram para que eu pudesse chegar na Holanda com documentos falsos.”

Por causa da obrigação de calar-se sobre esse assunto se sente totalmente sozinho. Mas sua decisão está firme: Vai encontrar seus pais biológicos. É o começo de uma busca de dez anos durante a qual a vida dele na Holanda fica praticamente paralisada. Gasta antes de tudo o auxílio estudantil para os vôos à América do Sul.

Surgem grandes disputas com seus pais adotivos. “Não querem que seu filho adotado remexa em segredos familiares. Por insistir bastante pelo menos me deram o endereço do funcionário Hans. Mas a visita na casa dele revelou-se ser uma grande decepção. Acabei de chegar nesta casa grande com piscina em São Paulo, quando ele me gritava que não tinha o direito de saber quem era minha mãe verdadeira. Sua esposa que tinha assinado meu certidão de nascimento falso, ficou em pé ao lado sem dizer nada.”

Graças à sua capacidade de superação incrível, Patrick descobre passo a passo a verdade. Revela-se que nasceu num grande hospital moderno em São Paulo (“enquanto sempre me contaram que tinha nascido numa pequena clínica”). Uma estagiária muito jovem de um orfanato administrado por holandeses, vem buscar Patrick pouco depois de que o cordão umbilical foi cortado. A moça dá o bebê enrolado em mantas ao gerente do orfanato que fica esperando na rua. Então vai junto com Patrick a uma ruela onde o empregado do consulado Hans já está esperando num carro com motor ligado. A porta detrás do carro abre e o casal de Gouda pega seu novo bebê no colo.

O casal apresenta-se alguns dias depois num cartório onde registram Patrick como seu filho biológico, nascido inesperadamente durante as férias. Ninguém faz perguntas. A esposa de Hans apresenta-se como testemunha. Sem problemas recebem um passaporte para o menino e saem do pais. Quando finalmente soube em que hospital ele nasceu, Patrick põe numa planilha todos os nomes de dezenas de mulheres brasileiras que deram luz a um menino em torno de fevereiro 1980. Um por um risca os nomes, recorre catálogos telefônicos, vasculha os arquivos de hospitais, enfim publica até apelos na mídia brasileira para encontrar exatamente esta Maria Bernardes.

Como por milagre, depois de dez anos de procura encontra uma mulher que depois de uma análise de DNA se revela ser sua irmã. Em seguida vem diretamente o golpe. “Minha mãe não era totalmente pobre.

Minha irmã me contou que minha mãe voltava muitas vezes para o hospital para saber o que tinha acontecido comigo. Ela se arrependia de ter me dado. Mas não responderam suas perguntas e toda vez chegava em casa chorando. Ela já não podia me contar ela mesma porque havia falecido.”

Agora tem mais uma família e depois de tantos anos finalmente comemora seu aniversário no dia correto. Mas os custos são elevados, faz um ano e meio que já não fala com os seus pais adotivos. Na verdade ainda não pode descansar. “Como que é possível que todas essas pessoas que colaboraram nessas práticas de adoção ilegal ficaram impunes? Quer desencravar isto mediante de um procedimento jurídico contra o Estado. Quero que vença a justiça. Não desejo a ninguém que lhe passe o que a mim aconteceu. Que não me deram informações e que ninguém tomou minha identidade a sério. Custou-me dez anos de minha vida e 120.000 euros.”

 

O pai adotivo de Patrick
“Adotamos Patrick com as melhores intenções e o criamos com amor. Pouco depois do casamento diagnosticaram câncer na minha esposa. Depois de graves tratamentos de câncer tornou-se impossível ter filhos. Na década de 1980 existiam longas listas de espera para adoção. Contatos no Brasil nos ajudaram desinteressadamente para receber Patrick. Em nosso caso não se pode falar de manheira nenhuma de “comprar” e de “quadrilhas” nem fazíamos ideia. Por uma doação apropriada para um orfanato recebíamos um recibo de entrega oficial. A partir do primeiro dia tentávamos juntar informações sobre suas raízes para poder responder perguntas que ele poderia tiver algum dia. Graças às informações abrangentes que podíamos juntar para ele, Patrick teve uns pontos de referência para encontrar suas raízes finalmente. Nos distanciamos explicitamente de algumas declarações feitas por Patrick.”

 

Adoção ilegal
Em 1981 são abertas diligências contra um casal da cidade de Wormer, que queria registrar no município um bebê nascido no Brasil. O funcionário não confia no certidão de nascimento e chama a policia. Depois de revistar muitos arquivos de vários municípios, dezenas de casais ficam suspeitos de privar a identidade de bebês recém-nascidos. São tantos que a justiça se agatanha. O que se faz com possivelmente cem bebês que foram importados de maneira ilegal e dos quais os pais são presos? Pais admitem a adoção ilegal em troca da suspensão do julgamento. Mas os intermediários tampouco são perseguidos. Uma advogada holandesa admite que emitiu dezenas de documentos falsificados para possibilitar a entrada dos bebês na Europa. Os pais receberam o aviso para visitar seu escritório da embaixada ou do consulado, ela admite. Estranho que nenhum diplomata tenha sido detido por causa de dissimular a origem. Existem rumores obstinados que isto tem a ver com o fato de que o primeiro ministro na época do início das diligências, Dries van Agt, teve também um bebê adotado ilegalmente na família. Van Agt nega isso resolutamente: ”Devo admitir que não me lembro daquele assunto” notifica ele. O comissário de polícia na província de Noord-Holland, Jan Oost, o chefe das investigações de então, não quer entrar nas perguntas, por que somente um intermediário foi perseguido.

 

Há pouco tempo, Patrick Noordoven fundou uma organização para ajudar outras vítimas do Brazil Baby Affair encontrar os pais biológicos. Para mais informações veja www.brazilbabyaffair.org

Telegraaf141101